Resenha: Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão

ricardorpresende
2 de fev. de 2019
5 min de leitura

Atualizado: 21 de jun. de 2020

Uma pacata fazenda tem um dia diferente: um incêndio destrói boa parte da colheita e todos acreditam que o culpado é o pobre funcionário. Eis que Mirta Vento Amarelo, uma menina de apenas doze anos com inteligência sobre-humana, está passando por ali e, por curiosidade — e grande dose de vontade de ajudar —, desvenda o caso. O fogo foi gerado pela faísca de um dragão, Brinaff, que se encontra tão ferido que quase não foi possível identificar sua espécie. A pequena cientista é informada que soldados de armadura branca atacaram a criatura e acaba envolvida em uma trama de proporções épicas na qual nem mesmo Corff, o grande rei dos dragões, está a salvo.

Enredo

O começo de Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão me deixou um pouco confuso. Eu não sabia muito bem para onde o autor estava me conduzindo. Eu bolava teorias — algumas certas, muitas erradas — e tentava prever o que estava para acontecer, mas sem saber muito bem o que se passava. Então, aos poucos, como um quebra-cabeça em que encontramos peças perdidas embaixo do sofá, as coisas se encaixaram e as minhas tentativas de desvendar os mistérios foram substituídos pela tensão e torcida para que as coisas dessem certo para a mocinha.

Não são muitos os autores que conseguem escrever histórias verdadeiramente imprevisíveis. André Regal soube conduzir a narrativa alternando entre momentos de ação e outros de exploração e, com um narrador divertido trazendo informações na medida certa — e nem sempre com 100% de confiabilidade —, trouxe ao leitor uma experiência de fantasia única e, de fato, muito agradável.

O enredo de Mirta Vento Amarelo não é daqueles que já te captura nas primeiras páginas, pois a engrenagem do livro precisa de muitas peças para girar. Entretanto, na hora que o óleo é derramado e a maquinaria consegue fluir, fica impossível parar de ler para fazer qualquer outra coisa.

As Personagens

Mirta: A protagonista é uma cientista por vocação. Ela é curiosa e intuitiva, mantendo um apreço imenso por livros. A mocinha domina vários assuntos, sempre com segurança e profundidade. Mas Mirta também tem suas fraquezas e inseguranças, e estas são muito parecidas com as minhas e as de vários seres humanos. Eu não posso dizer que ela é a minha personagem favorita do livro, mas eu gostei bastante dela, principalmente na reta final da obra.

Brinaff: Um dragão para lá de inusitado. Ele fala, conta histórias e se mostra peça-chave no enredo talvez de forma ainda mais intensa do que eu imaginei a princípio. Brinaff é divertido e, em alguns momentos, um tanto quanto bobo, mas é um personagem muito difícil de não gostar. Quando André Regal voltar a escrever neste universo, espero reencontrar esse camarada!

Cerúleo: A Mirta é legal, mas não dá para competir com esse pássaro azul que parece ter todas as respostas do universo com seu "Cró!". Achei muito divertida a ideia do André de dar à protagonista esse companheiro que está lá a todo momento transformando em diálogos os monólogos que Mirta teria se Cerúleo não existisse. E quando algo acontece a ele? Eu fiquei triste só de imaginar que o pássaro azul pudesse estar ferido! Definitivamente, esse rapaz assumiu um papel muito legal no enredo e, ao meu ver, foi uma das sacadas mais interessantes do autor para deixar seu trabalho ainda mais único.

Silkai: O rei de Tulma é uma figura que já pode ser observada como má desde o primeiro momento da narrativa. Silkai é vaidoso, arrogante, cruel e, infelizmente para muitos, poderoso. Ele faz bem aquele papel de vilão clássico: Silkai é mau, e não tem uma motivação muito profunda para tal. Isso não significa que ele seja pouco interessante. Na sua insanidade, o rei deixa o leitor o livro inteiro tentando entender seus passos. E confesso que me surpreendi com ele até o fim.

Nil: Meu personagem humano favorito. Não dá para falar nada sem dar um spoiler gigantesco, então vou deixar só a primeira frase.

Hillel: O comandante me deixou uma impressão péssima no começo do livro, mas acabei entendendo-o melhor com o decorrer da trama. É mais um que acho difícil falar sem entregar metade do enredo, mas, com certeza, tem o potencial para ser o favorito de muita gente.

Além desses que eu destaquei individualmente, o livro conta com várias personagens divertidas. Sinceramente, achei o universo tão rico que, se o André Regal quiser, ele consegue fazer um sem fim de livros nele para todo tipo de leitor e, ainda assim, é capaz de ele não esgotar as possibilidades do mundo que criou. Eu leria tranquilamente um conto mostrando o passado do Sóz, por exemplo.

A Editora

Eu vou ser curto e grosso: o trabalho da Chiado em Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão é péssimo. Todo o serviço editorial que se espera de uma obra que não foi publicada de forma independente simplesmente não existe. A impressão que passa é que a editora pegou o rascunho recebido do escritor e mandou direto para a impressora. Isso só faz aumentar a minha admiração pelo André Regal, pois, mesmo com tudo isso, Mirta Vento Amarelo é uma leitura fora de série.

Conversando com o autor, eu perguntei sobre a editora e a resposta dele só confirmou minha suspeita: "Eu não sou muito satisfeito com a Chiado", foi a primeira frase dele, que, como sempre, se manifestou de forma muito educada. "A editora não fazia revisão", comentou. "A editora não divulga, não faz absolutamente nada. Ela não vende o livro."

O que mais me assusta é que a Chiado tem um diamante na mão e parece não ligar! Basta entrar em qualquer grupo brasileiro de fantasia para ver o tanto que a Mirta é apreciada. No entanto, é muito difícil conseguir exemplares para comprar. O livro pode ser adquirido no (péssimo) site da editora e, raramente, é encontrado em lojas como Saraiva e Cultura. É a primeira vez na minha vida que vejo um livro com contrato virar quase que item de colecionador porque ninguém o encontra à venda.

Novidades

Na minha breve conversa com o André Regal, ele disse três coisas muito bacanas que acho que todos os fãs do autor vão gostar de ouvir. A primeira não é segredo para ninguém: em breve, teremos a continuação da trilogia A Lágrima de Giius. A segunda é uma pedida que os leitores fazem há tempos e que será atendida: em um comentário no Facebook, ele afirmou que ano que vem tem aventura nova da Mirta. Então, amigos e amigas viajantes de carroça, teremos um reencontro com a jovem cientista! E a terceira tem relação com o livro já publicado: André Regal revelou planos de rescindir com a Chiado ou esperar o contrato de exclusividade com a editora acabar para, então, relançar Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão sob outro selo. E quem ganha com tudo isso? O fã de fantasia, que pode ganhar uma dose tripla de André Regal.

Opinião Final

Eu li Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão com grande expectativa. É uma obra muito bem falada e com uma quantidade considerável de fãs, o que torna natural e inevitável pensar que se trata de um trabalho de qualidade. O começo do livro me deixou receoso. Eu demorei a engatar a leitura e entrar no ritmo. Entretanto, quando a coisa andou, eu não parei mais. Mirta Vento Amarelo é uma leitura excelente de um autor que tem tudo para se tornar referência na fantasia nacional.

Vale o Preço?

Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão está à venda no site da Chiado Books por R$50. Considerando que o livro tem 564 páginas, o valor é razoável. Os problemas de diagramação me fariam contraindicar o livro caso fosse uma história comum ou somente boa, mas essa é uma obra que me permite fazer vista grossa a esses defeitos e indicá-la sem peso algum na consciência. Vale ainda dizer que, caso se confirme a saída do André Regal da Chiado, esse livro pode se tornar uma raridade (de certo modo, ele já é, né, Chiado?). Simplificando: comprem Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão! Não vão se arrepender, eu garanto!