Entrevista: André Regal
- ricardorpresende
- 6 de abr. de 2020
- 7 min de leitura

Autor de Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão e de O Brakki, André Regal é um nome cada vez mais conhecido no cenário da literatura fantástica nacional. Agora, com o relançamento da Mirta em pré-venda pela editora Flyve, por meio do selo Voe, o autor concedeu uma entrevista falando não só da obra, mas também de si. Nesta entrevista, temos a oportunidade de saber mais sobre os planos desse talentoso escritor e de conhecer um pouco melhor quem é a pessoa por trás dos livros.
Ricardo R. P. Resende (RRPR): André, Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão é o livro pelo qual muitos te conheceram. Eu mesmo tenho em mãos a primeira versão da obra. Como foi a decisão de relançar esse trabalho?

André Regal (AR): A Mirta foi um livro que decidi lançar primeiro por uma questão de público, por ser um livro pelo qual as pessoas me conhecem, mas ele não é o primeiro que escrevi. O que se tornou O Brakki foi o primeiro, mas este tem um público muito mais nichado. Ele é muito mais seleto, é um livro violento, e a Mirta é pra todas as idades, então quis lançá-la primeiro, porque eu ia ter um espectro de resposta muito mais apurado do que com O Brakki. A decisão foi muito simples. Não havia nada essencialmente errado com o livro, mas havia coisas que eu podia melhorar. Só que essa segunda edição podia muito bem ser feita pela Chiado. Como esta estava fazendo um trabalho péssimo com a Mirta, assim, de abandono mesmo, eu resolvi cancelar o contrato. Eu não queria deixar a Mirta sem casa e não faltaram editores de selos independentes que se oferecessem para trabalhar com ela. Eu acabei gostando muito da proposta da Voe, da Flyve, pelo carinho com que eles tratam o texto, a diagramação… Achei que eles iam fazer um bom trabalho e a gente ingressou. Estou bem satisfeito até agora.
RRPR: Uma coisa que marca muito a Mirta Vento Amarelo é a identificação dela como uma cientista. Quem te acompanha nas redes sociais vê o tanto que você gosta de ciência. Qual é a relação entre a Mirta Vento Amarelo e o André Regal?
AR: A Mirta é claramente identificada como cientista. Cientista é um bicho muito marginalizado. Em um filme, ele é sempre aquele cara que só serve para levantar a plaquinha de que alguma coisa vai dar ruim, mas ninguém o escuta, porque o herói é outra pessoa. E a gente está vendo agora o valor que a gente tem que dar aos cientistas nessa época de pandemia, né? Porque quando o bicho está pegando, quando está todo mundo no bico do corvo, a gente quer saber quando sai a vacina. Tem uma frase do Carl Sagan que é mais ou menos assim: “a gente vive em uma sociedade totalmente dependente de ciência e tecnologia onde ninguém sabe nada de ciência e tecnologia”. Essa frase me bateu muito forte. Sempre fui um entusiasta muito grande de qualquer assunto científico e eu acho que a gente devia ser um pouco mais. Acho que essa é a função da Mirta na minha história. Todo mundo devia ter um pouco mais de curiosidade de saber como o mundo e as coisas funcionam. Acho que seria um mundo mais saudável de “n” formas, sem dúvida.

RRPR: A ciência é sabidamente um campo amplamente dominado pelo protagonismo masculino, mas você optou por uma jovem menina para representar a mente mais brilhante de todas. Além de instigar os leitores de modo geral a se interessarem por ciência, você acredita que a Mirta, por ser mulher, pode trazer esse impacto ao público feminino?
AR: Sem dúvida, né? Eu acho que sim, mas o engraçado é que não foi nisso que eu pensei. Eu pensei em uma pessoa absolutamente inteligente e cativante, veio automaticamente mulher. E acaba que o resultado é que o público feminino se identifica. É um público bem jovem, pois ela é bem jovem, mas nunca foi uma jogada política. Foi algo natural.
RRPR: Muitas pessoas que se animaram com o relançamento do Mirta Vento Amarelo — A Linhagem do Dragão já leram o livro na edição antiga. A ideia de fazer uma versão ilustrada é uma forma de incentivar essas pessoas a adquirirem a nova edição?
AR: Não. A ideia nem era pegar o público velho. Era (alcançar) a galera que estava querendo conhecer (o livro). E a Mirta combina muito com ilustração. Eu queria até botar mais, mas, por uma questão de custo, não pude. Ficou bem bonito. Adorei o resultado.

RRPR: Um trabalho seu que também ganhou muita repercussão entre os leitores de fantasia nacional foi O Brakki. Você já comentou que os públicos são diferentes, mas o que você diria para convencer alguém que leu o primeiro volume de A Lágrima de Giius a dar uma chance também à Mirta?
AR: Eu acho que é até mais fácil. Às vezes, o cara lê um negócio mais pesado, mas ninguém lê só uma coisa, só dark fantasy. Pelo menos, desconheço alguém que faça isso. Você vai convidar para uma outra atmosfera, que também é uma história contada com muito cuidado. Não vai sair de um livro sério para um bobo. A Mirta não é um livro bobo. Eu acho até mais difícil fazer o contrário: sair da Mirta e falar “agora, vamos ver um pouco de tripa e fígado arrancado”. Isso já é um pouco mais delicado. Quando vou convidar as pessoas para ler O Brakki, já tendo a puxar, convidá-la para uma experiência um pouco mais realista, mais sombria, em vez de dizer que é violento. Mas de O Brakki para a Mirta, acho que é mais fácil.
RRPR: Há um tempo, você atiçou a curiosidade do seu público ao anunciar que teríamos uma nova história da Mirta. Com esse relançamento, essa nova história está em standby ou podemos esperar mais novidades em breve?

AR: Na verdade, a continuação da Mirta está bem adiantada, mas o fato de termos decidido fazer o relançamento deu uma atrasada, porque não vou lançar as duas coisas ao mesmo tempo. Em compensação, acelerou o processo da continuação de O Brakki.
RRPR: Mirta Vento Amarelo e A Lágrima de Giius se passam em universos diferentes. Você tem a intenção de usar esses mundos para outras histórias no futuro?
AR: Sim. Eu acho que, principalmente no mundo da Lágrima, tenho uma abertura muito grande para trabalhar outros eventos, outras cronologias… A Mirta é um mundo menos complexo. Já o trabalhei em um conto chamado Flagelo Branco, no meu livro de contos Flagelos, mas sem menção à Mirta. Só o mundo mesmo. Pelas falas dos personagens, dá para saber que são os mesmos deuses e tal. Mas eu vou fazer uma exploração mais profunda no universo da Lágrima, sem dúvida.
RRPR: Agora, eu queria que você me falasse um pouco de você. O que te motiva a escrever?

AR: Dificilmente eu fiz qualquer coisa na minha vida procurando ganhar dinheiro. Senão, não daria aula de música, nem teria feito teatro. Pouca gente sabe que sou ator, sou formado em teatro. Então, acho que meu negócio sempre foi dialogar com o público, seja quando me apresentava com música, seja quando me apresentava nos palcos. Eu tenho essa coisa de contar histórias. E encontrei isso na literatura, na escrita, que é muito mais dinâmico para mim, sem precisar de todo um contingente, de toda uma série de circunstâncias para que o teatro aconteça, por exemplo. Sozinho, com minha internet, consigo fazer minhas pesquisas e contar minhas histórias. Acho que é por aí.
RRPR: Como a sua formação como ator influencia na sua forma de escrever?
AR: Como minha formação de ator me deu muito contato com o texto teatral, com a dramaturgia, e pouco com a prosa, acabei desenvolvendo um apreço muito grande pela construção do personagem. Então, sempre baseio qualquer coisa que eu escreva na força da construção do personagem, acima de qualquer outra coisa. Depois, com o tempo, eu acabei descobrindo que isso faz sentido para qualquer contação de história. O personagem é realmente a coisa mais importante. Então, acho que o trabalho de ator influenciou bastante nesse ponto. Foi muito vantajoso para mim.
RRPR: Quais são suas principais influências na escrita?

AR: A gente tem sempre aquelas influências que vêm da adolescência, que a gente lia, se encantava e dizia que um dia queria fazer algo parecido. Vou destacar dois autores que sempre gostei muito. Um, meu primeiro autor favorito, Sidney Sheldon, que, na verdade, não tem nada a ver com o que escrevo, né? Mas eu bebo muito do que o Sidney Sheldon fazia. Eu já recebi essa crítica. Quando a pessoa lê O Brakki ou lê a Mirta, ela pergunta “cara, você lia Sidney Sheldon?”. Já ouvi muito isso, porque tem alguma coisa no ritmo e na estrutura que lembra. Mas, na questão do gênero, quem me influenciou mesmo foi o Tolkien, sem dúvida. Ele é o meu favorito em fantasia. Para mim, é indiscutível que ele é o melhor.
RRPR: Como fã declarado de Tolkien e conhecendo a importância dele para a fantasia como um todo, como você enxerga o debate oriundo da internet que compara o autor de Senhor dos Anéis com J. K. Rowling (Harry Potter)?
AR: Acho que esse é um debate improdutivo, porque não dá para comparar as coisas. O mérito do Tolkien está na influência de gênero mesmo. As pessoas hoje consomem mais fantasia, é um gênero que existe à parte praticamente por causa do Tolkien. Claro que já existia fantasia antes, mas se tornou algo singular. Muitos escritores de fantasia medieval não teriam trabalho hoje, não fosse a influência do Tolkien. Eu posso estar enganado, mas acho que a J. K. tem uma influência muito grande no hábito da leitura e no público. Ela trouxe um determinado público direcionado para os livros, para ler livros. Eu acho que não tem a ver com mérito de construção de obra, no caso da J. K., e sim na influência dentro de uma faixa etária, que passou a consumir muito mais livros.
RRPR: André, muito obrigado pela entrevista. Foi um prazer falar contigo. Para encerrarmos essa entrevista, queria que você deixasse uma mensagem final para os seus leitores.
AR: Eu que agradeço. Acho que se tiver que deixar alguma mensagem para a galera, tem que ser de agradecimento, né? Até porque sou um autor iniciante e já tenho um carinho muito grande por parte dos leitores. Estou aprendendo sempre, não sou referência de nada e, mesmo assim, as pessoas consomem meu trabalho e sempre dão um feedback muito positivo. Eu só tenho a agradecer. Muito obrigado a todo mundo que acompanha meu trabalho, de coração!

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