Resenha: A Última Conjuração
- ricardorpresende
- 20 de jun. de 2021
- 6 min de leitura
Sinopse
“Em uma era onde a ciência e a magia andam de mãos dadas, a sociedade avança e prospera sob o comando do carismático Rei Tecnomante, Allegro Obernik.
Sem herdeiros para assumir o seu trono, Allegro anuncia o Grande Torneio Mágico, evento que reunirá magos e alquimistas de todos os cantos do continente, disputando a coroa do Reino de Altagrave. Mas, mesmo o homem mais poderoso do reino tem seus segredos sombrios, e o torneio talvez não seja apenas um rito de passagem para a escolha de um sucessor.
Convicta em mudar Altagrave de dentro para fora, Nuit fará qualquer coisa para ter a chance de encarar Allegro e revelar os verdadeiros planos de seu nêmesis. Será ela capaz de usar a vingança como uma lâmina para abrir caminho, não importando quão desesperadora seja a situação?”
Enredo
O enredo de A Última Conjuração gira em torno da tentativa de uma série de personagens — os quais serão melhor detalhados posteriormente — de usar o Grande Torneio Mágico para destronar o Rei Allegro Obernik. Simultaneamente, o próprio rei aparenta ter motivos escusos para a realização do evento, usando-o em benefício próprio.
A história avança a passos lentos no começo, com muito espaço sendo investido para ambientar o leitor no universo da obra e mostrar como funcionam as principais correntes de magia: natural, tecnomancia, luciferiana e alquimia. Esta última não é exatamente magia, mas sim a manipulação de reações químicas. O alquimista seria um grande químico, basicamente.
A narração em terceira pessoa conduzida por um narrador onisciente alternou os pontos de vista dentro de uma mesma cena, criando algumas situações em que fiquei confuso sobre o que havia acontecido ou sobre quem havia executado determinada ação, mas funcionou bem ao longo da obra. Ainda assim, não é um estilo de narrador que me agrade e acho que prejudicou a fluidez do texto.
Fluidez do texto, inclusive, é um assunto importante a ser ressaltado. Hoje em dia, a técnica “show, don’t tell” é quase obrigatória na literatura, pois torna a leitura mais “visual” e aumenta a imersão na obra. Em alguns momentos, o autor soube fazer bom uso da técnica, mas na maior parte do tempo, optou-se por contar mais do que mostrar, inclusive com o acréscimo de explicações supérfluas em cenas de ação, as quais quebraram o dinamismo e prejudicaram a minha experiência como leitor.
Se há uma coisa a ser elogiada em A Última Conjuração, esta é a ambientação. O autor criou um mundo complexo e interessante, instigando o leitor a querer saber mais sobre coisas como o Purgatório. Além disso, a riqueza de suas escolas de magia tornou a experiência de fantasia muito divertida. Entretanto, senti falta de um limite mais claro sobre o que é possível fazer com magia. Fiquei com a sensação de que há muitos personagens com habilidades exageradamente poderosas, o que pode gerar dificuldades para que o autor consiga resolver os conflitos da narrativa de forma satisfatória quando os próximos volumes chegarem.
Personagens
A Última Conjuração trouxe ao leitor vários personagens cujos pontos de vista foram explorados. Esta resenha ficaria absurdamente grande se eu fosse explorá-los individualmente, então irei me ater aos que considerei mais importantes. Antes disso, discorrerei um pouco em linhas gerais.
Personagens são os corpos pelos quais vivemos uma narrativa. Vemos por seus olhos, cheiramos por seus narizes, pensamos por suas mentes e sentimos por seu coração. Quanto mais bem desenvolvido é a personagem, mais profunda é a vivência dos eventos de uma narrativa. E nesse ponto, A Última Conjuração me decepcionou. Não chegou a ser uma experiência ruim, mas tive dificuldade de me conectar com as personagens e fiquei com a sensação de que a quantidade de pontos de vista fez com que os protagonistas fossem subutilizados.
Nuit: Por estar presente na sinopse da história, minhas expectativas em relação a ela eram enormes, mas não foram alcançadas. Nuit me lembra muito uma tsundere de um bom mangá shounen e tinha tudo para ser o coração de uma excelente narrativa, tendo ótimas aparições que indicavam para uma grande personagem, mas faltou a ela aquela evolução de uma protagonista notável. Falarei mais sobre isso quando for abordar a conclusão da história.
Millefiore: A mocinha boazinha que consegue de alguma forma fazer com que todos gostem dela. Achei-a absolutamente insuportável do início até quase o fim. No final, ela protagonizou o melhor plot-twist do livro inteiro.
Weiss: Embora tenha aparecido muito menos do que merecia, acho que cabe a menção dele aqui. Misterioso e carismático, esse homem foi definitivamente subaproveitado. Algumas das melhores cenas do livro aconteceram quando ele abria a boca.
Jago: No início, Jago parece um cara cheio de malícia e inteligente, mas ele evolui gradativamente para uma figura idealista e até mesmo ingênua. A forma como certas coisas acontecem com ele na reta final me desapontaram, tendo em vista que esperava uma atuação mais sagaz da parte dele.
Gilbert: De longe, meu personagem favorito. Se outros me decepcionaram, esse alquimista simpático me surpreendeu muito ao longo do enredo, tanto com a profundidade de sua história pessoal como com a interação dele com as demais personagens. Entretanto, achei que a participação dele no enredo deu uma caída na reta final.
Silica: Personagem com nuances interessantes, mas que parecia uma loli retirada diretamente de um mangá. Era fofa até certo ponto, mas comecei a achá-la irritante a partir de certo ponto.
Allegro: Ele apareceu pouco, mas suas aparições foram marcantes o bastante para serem destacadas aqui. O Rei Tecnomante se mostrou um grande antagonista, com participação muito interessante na disputa contra seus opositores. Entretanto, eu gostaria de ter visto um vilão mais “cinza”.
Desfecho (Com Spoilers)
Tem que ter coragem e ousadia para fazer o que o Michel Zimmer fez na conclusão de A Última Conjuração. Considerando que se trata do primeiro livro de uma série, a derrota dos protagonistas não surpreende, mas matar cinco e deixar apenas uma totalmente transformada — o que é praticamente uma sexta morte para mim — é algo impactante e, para mim, desagradável.
Abri este trecho já com o que mais me impactou, mas acho importante ressaltar o plot-twist genial de colocar a semente de magia luciferiana na Millefiore, quando todos imaginavam que o potencial seria alcançado pela Nuit. Foi inesperado, mas bem encaixado e gerou uma das melhores sequências do livro, justamente com a narração também usando o “show, don’t tell” muito bem.
O combate contra Presto foi o mais empolgante do livro e teve um final magistral com a chegada do Allegro no último momento. A forma como o Rei Tecnomante vence é impactante e o coloca como um nêmesis quase imbatível. Aqui entra uma ressalva. Michel Zimmer terá que lidar com o problema de que criou um antagonista forte demais e não será fácil promover uma derrota do Allegro sem recorrer a algum tipo de Deus Ex Machina.
Voltando ao assunto do primeiro parágrafo, repito o que disse quando abri o tópico dos personagens: é por meio deles que vivenciamos a narrativa. Na maior parte do tempo, são eles que nos motivam a continuar lendo. Embora o arco de um personagem e o enredo em si sejam coisas distintas, quando o arco de cinco — ou seis — protagonistas é concluído, a sensação que fica é de que a história literalmente acabou. Eu sei que haverá um volume dois, mas para mim, o sentimento é de que será uma outra história posterior à concluída no primeiro livro. Com Nuit e Gilbert mortos, eu me sinto pouco tentado a continuar me aventurando em Altagrave, embora entenda aqueles que não consideram isso um problema. É uma perspectiva muito subjetiva.
Falando em subjetividade, darei uma opinião para lá de pessoal aqui. Millefiore morreu também. Oras, ao fim da história, fica implícito que ela não morreu de fato, mas a transformação dela me pareceu tão completa que, no próximo livro, imagino que teremos uma carcaça com o nome dela ou a repetição da estratégia usada no primeiro livro, quando o prólogo teve Cecília e o enredo teve Nuit, mas que eram a mesma pessoa — algo muito previsível, por sinal, e que talvez pudesse ter sido mais bem aproveitado.
Conclusão
A história é bem construída, mas a forma como é narrada poderia ser mais dinâmica e visual, especialmente nas batalhas. Ao terminar, o sentimento de frustração com o desfecho fez com que minha avaliação caísse. Entendo que a obra é uma leitura indicada somente para pessoas que não se incomodem com finais trágicos.

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